Notícia

Papel da bioenergia no Brasil

Sabrina Matos1

Luciano Rodrigues2

Fernanda Valente3

 

Sabrina Matos1

Luciano Rodrigues2

Fernanda Valente3

 

A utilização de biocombustíveis no Brasil evitou a emissão de 26,03 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2 eq.) apenas nos três primeiros trimestres de 2022, o que equivale ao plantio de 63.487 hectares de floresta. A bioenergia tem apresentado uma redução imediata do passivo ambiental da frota de veículos em circulação.

 

A necessidade de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) foi incorporada definitivamente no debate global sobre política energética. Segundo dados do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), o uso de energia é responsável por 73,2% das emissões globais de GEE, com 16,2% delas originadas no setor de transportes.

Além da relevância do setor de transportes nas emissões mundiais de GEE, essa é uma área em que a discussão acerca das respostas tecnológicas para equacionar o problema do aquecimento global está em evidência. Isso porque são inúmeras as iniciativas e as inovações que estão sendo produzidas pela indústria automobilística.

A forma de reduzir as emissões de GEE nesse setor passa, obviamente, pelos ganhos de eficiência energética dos veículos com as inovações em curso. Esse elemento, entretanto, só terá efetividade no controle das emissões se combinado com combustíveis e energéticos renováveis de baixo carbono.

No Brasil, a frota circulante ainda é predominantemente baseada em combustíveis líquidos, e a bioenergia traz uma condição diferenciada para o mercado nacional ao oferecer um energético com baixa intensidade de carbono (IC).

Atualmente, cerca de 90% da capacidade de produção de etanol já é certificada, com pegada de carbono auditada. Isso significa que as empresas produtoras ou importadores desse biocombustível são submetidos, periodicamente, a um processo de certificação para quantificar a IC do biocombustível produzido em cada planta industrial.

A partir de uma análise estruturada com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), é possível verificar que a IC média do etanol anidro comercializado até o terceiro trimestre de 2022 alcançou 26,60 gramas de gás carbônico equivalente por megajoule (g CO2 eq./MJ), representando uma redução de 1,05% comparativamente à IC observada no ano anterior. Com relação ao etanol hidratado, o indicador contabilizado nos três primeiros trimestres de 2022 atingiu 28,65 g CO2 eq./MJ – valor 0,59% inferior ao observado em 2021. Essa redução está associada ao ganho de eficiência energético-ambiental observado pelas empresas que investiram na redução das emissões ao longo de todo o sistema de produção. Trata-se de um movimento esperado em função do mecanismo de estímulo a ganhos de eficiência energético-ambiental estabelecido pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) a partir de 2019.

Embora a IC dos biocombustíveis tenha se reduzido, dados estimados pelo Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (OCBio/FGV) mostram que a IC média da matriz de combustíveis leves apresentou uma piora de 1,59% em comparação ao nível de 2021. Esse indicador considera, além do etanol, as emissões originadas do uso de gasolina. A piora observada deve-se, marcadamente, à redução da participação do etanol na matriz energética nacional.

Com efeito, até o terceiro trimestre de 2022, a participação energética dos biocombustíveis na matriz brasileira alcançou 37,4%, enquanto, em 2021, a participação foi de 39,2% (vide Figura 1).

 

Figura 1 – Participação energética dos combustíveis na matriz do ciclo Otto

Imagem removida.

*até o terceiro trimestre de 2022

FONTE: ANP

 

Quando comparada à média mundial, entretanto, a IC da matriz de combustíveis leves brasileira é significativamente inferior. Especificamente em 2022, a IC da matriz de combustíveis leves no País atingiu 65,1 g CO2 eq./MJ no terceiro trimestre, enquanto a IC média mundial, em virtude da utilização predominante de gasolina, encontra-se entre 80 e 90 g CO2 eq./MJ.

Uma análise desagregada da IC revela que, entre as Unidades da Federação (UFs), Mato Grosso, Goiás e São Paulo são aquelas que, até o terceiro trimestre de 2022, apresentaram a maior presença de bioenergia e o menor nível de emissões de GEE originadas pela queima de 1 MJ de energia pelos veículos leves (vide Figura 2).

 

Figura 2 – Intensidade média de carbono (g CO2 eq./MJ) nas UFs considerando dados do 1º ao 3º trimestre de 2022Imagem removida.

FONTE: Dashboard da Descarbonização da Matriz de Combustíveis, divulgado pelo OCBio - FGV (2022)

 

Devido à piora na IC da matriz de combustíveis leves e ao aumento de combustíveis leves no País, as emissões de GEE também foram maiores em 2022 comparativamente aos níveis observados em 2021 (vide Figura 3). Nos três primeiros trimestres de 2022, foram emitidos 75,96 milhões de toneladas de CO2 eq., apresentando um crescimento de 7,16% em relação à quantidade emitida no mesmo período de 2021 (70,88 milhões de toneladas de CO2 eq.).

Em contrapartida, a participação dos biocombustíveis na matriz de combustíveis leves no Brasil evitou a emissão de 26,03 milhões de toneladas de CO2 eq. na atmosfera nos três primeiros trimestres de 2022 (conforme a Figura 3). Para se ter a mesma redução de emissões promovidas pelos biocombustíveis nesse período, seria preciso plantar 63.487 hectares de vegetação nativa em floresta tropical.

 

Figura 3 – Evolução das emissões totais de GEE na matriz de combustíveis leves e das emissões evitadas pela bioenergia

Imagem removida.

*até o terceiro trimestre de 2022

FONTE: Descarbonização da Matriz de Combustíveis, divulgado pelo OCBio - FGV (2022)

 

Esses números mostram que, no mercado nacional, a bioenergia integrada aos combustíveis fósseis tem apresentado uma redução imediata do passivo ambiental da frota circulante. Além disso, a avaliação do ciclo de vida evidencia que os biocombustíveis apresentam um potencial de redução importante no direcionamento de novas tecnologias automotivas no futuro próximo.

O acompanhamento das emissões de GEE no setor de combustíveis leves é fundamental para nortear políticas públicas, avaliar ações econômicas com impacto sobre o setor de combustíveis e delinear ações estratégicas empresariais no futuro.

Considerando que o problema da redução de emissões de GEE exigirá opções múltiplas, complementares e adaptadas às características de cada região, a flexibilidade e a ampla disponibilidade de energéticos de baixo carbono são fundamentais para o País minimizar os riscos diante do cenário de transformações previsto para os próximos anos.

 

1 Pesquisadora do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia (OCBio)

2 Diretor de Economia e Inteligência Setorial da ÚNICA e Pesquisador do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia (OCBio)

3 Pesquisadora do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia (OCBio)